Publicado originalmente por Tania Maria Sausen em https://www.granreserva.net.br/o-aquecimento-global-e-as-novas-uvas-de-bordeuax/
O aquecimento global causado por massivas emissões de gases que intensificam o efeito estufa, aliados a outros gases originados de uma série de atividades humanas, atuam obstruindo a dissipação do calor terrestre para o espaço, levando ao aumento das temperaturas globais.
Este aumentos e a nova composição da atmosfera desencadeiam alterações importantes em virtualmente todos os sistemas e ciclos naturais da Terra e, como não poderia deixar de ser, vem afetando diretamente a produção de vinhos ao redor do mundo uma vez que as uvas tem grande sensibilidade as mínimas nuances climáticas.
De acordo com Elizabeth Wollkowich, professora associada de Ciências Florestais de Conservação na Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver (CAN), “O vinho é o principal indicador da mudança climática. Grande parte da noção de terroir se resume ao clima”.
Tal como várias outras regiões vinícolas ao redor do mundo, a região de Bordeaux, França, vem sentindo os efeitos do aquecimento global sobre seus vinhedos.
O New York Times publicou em 2017, juntamente com o Climate Impact Lab, um programa onde é mostrada a projeção futura do aumento da temperatura, em um período de 70 anos, de vários lugares do mundo. O gráfico pode ser construído tomando como ano inicial 1960. Assim, usando este programa eu construí dois gráficos, um para o período de 1960-2017 e outro de 1960-2080, onde é possível ver qual a tendência do aumento da temperatura nessa região vinícola, apresentada por meio do número de dias/ ano com temperaturas iguais ou superiores a 32°C.
No período entre 1960 e 2017(57 anos) é estimado em torno de 8 dias por anos com temperaturas iguais ou acima de 32°C.
Neste outro gráfico, considerando o período a partir de 2000 até 2090, são esperados em torno de 14 dias/ano com temperaturas iguais ou acima de 32°C, sendo que o intervalo de variação vai de 9 a 20 dias.
Esses dois gráficos dão a dimensão do problema que uma das regiões vinícolas mas consagrada do mundo vem enfrentando. Nos últimos 70 anos Bordeaux teve um aumento na temperatura média em 2°C e, conforme estudos, essa mudança está apenas no início. Em 2019 a região teve recordes de temperaturas chegando a 41°C, fazendo com que os produtores se preparassem para maiores dificuldades com o cultivo das uvas e na produção de bons vinhos.
Entre os problemas causado pelas temperaturas muito altas está o açúcar crescente nas uvas Merlot, muito usada em Bordeaux, o que faz com que os vinhos fiquem mais alcoólicos.
Para enfrentar os efeitos do aquecimento global, pesquisadores apontaram para duas opções:
- A primeira, realizar um estudo aprofundado dos microclimas presentes na região de Bordeaux, com o objetivo de determinar quais locais não sofrerão com o aumento das temperaturas e dessa forma os vinhos continuarão com o estilo bordalês;
- A segunda opção, mais drástica para os produtores locais e puristas, seria a alteração do corte bordalês, atualmente formado elas variedades Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère, para castas mais adaptadas ao calor. Para essa segunda opção, cientistas de Bordeaux analisaram 52 variedades provenientes do Sul da França, Portugal e Grécia, com o objetivo de identificar uma ou mais variedades que pudessem produzir vinhos com o estilo de Bordeaux. A região buscava novas castas que pudessem se adaptar ao aquecimento global e às mudanças climáticas.
No início de fevereiro o Sindicato dos produtores de Bordeaux e Bordeaux Supérieur decidiram autorizar o plantio de 7 novas uvas na região, para serem usadas em vinhos Bordeaux Aoc e Bordeaux Superieur.
Esse trâmite ocorria há mais de um ano e foi o Instituto Nacional das Origens e da Qualidade (INAO – Institut National de L´origine et de La Qualite), órgão regulador dos vinhos franceses, quem aprovou formalmente o uso das novas variedades. A nova lei limita estas novas castas a 5% da área de superfície total de uma propriedade e não mais do que 10% da mistura em tinto ou branco.
As uvas autorizadas são 7 variedades, sendo 4 tintas – Arinarnoa, Castets, Touriga Nacional Marselan – e 3 brancas – Alvarinho, Liliorila e Petit Manseng.
Arinarnoa: Éum cruzamento de Cabernet Sauvignon e Tannat. Os vinhos produzidos têm cor naturalmente profunda e uma estrutura firme. É cultivada principalmente no Sul da França para as designações Vin de Pays/IGP do Languedoc. Ela se espalhou até a América do Sul, onde exemplos desta variedade são encontradas na Argentina, Brasil e Uruguai.
Castets: É uma variedade rara de tinta descoberta em Bordeaux nos idos de 1870. Essa uva foi historicamente produzida na região de Aveyron, França. Na Eslováquia, a Castets foi cruzada com Abouriou para criar diversas variedades, incluindo Hron, Nitranka, Rimava e Váh Castets.
Touriga Nacional: Cultivada do Douro ao Alentejo, encontra na Região Demarcada do Dão seu habitat mais frutífero, faz vinhos complexos e elegantes, em terroir seco e quente; adapta-se bem a diversos tipos de solo e é resistente à maioria das pragas que atingem os vinhedos, o que facilita seu cultivo e também a sua adaptação em outras regiões. Tem sido cultivada em pequena escala em países do Novo Mundo, como Austrália, Estados Unidos e também no Brasil, onde há vinhos feitos com ela em três diferentes regiões, no Nordeste, na Serra e na Campanha Gaúcha.
Marselan: De origem francesa, é um cruzamento de Cabernet Sauvignon e Grenache Noir, muito tolerante ao calor. Com coloração intensa que lembra frutas vermelhas e cacau, foi produzida a primeira vez em 1961, pelo pesquisador Paul Truel, perto da cidade francesa de Marselha. Começou a ser comercializada no Brasil a partir de 2002. Na região Sul existem vários vinhedos dessa variedade, uma vez que o clima frio e úmido, natural da Serra Gaúcha, favorece a sua produção.
Alvarinho: Produz vinhos excelentes nas costa norte de Portugal e na Espanha; comumente associada ao Vinho Verde, típico do norte de Portugal. O vinho monovarietal da casta Alvarinho possui cor intensa, palha e com reflexos citrinos. Essa variedade tem se espalhado cada vez mais e alcançado bons resultados em diferentes países, como EUA, Austrália, Uruguai, Chile, Argentina e mesmo por aqui, no nosso Brasil.
Liliorila: Essa variedade de uva branca é cruzamento de Chardonnay e Barroca. A videira de maturação precoce e baixo rendimento é suscetível ao Botrytis. Dá origem a vinhos brancos encorpados e aromáticos com uma acidez relativamente baixa. É adequada para vinhos doces nobres, sendo cultivada em quantidades pequenas no Sudoeste da França.
Petit Manseng: É uma variedade de uva para vinho branco cultivada principalmente no sudoeste da França, sendo usada geralmente em vinhos doces. O nome é derivado de suas pequenas bagas de casca grossa. É frequentemente deixada na videira até dezembro para produzir um vinho de sobremesa de colheita tardia.
Segundo os pesquisadores as variedades escolhidas, além de ter maior resistência às altas temperaturas, possuem as características necessárias que farão o vinho bordalês manter seu estilo único.
Estas novas variedades ficarão ao lado das variedades já permitidas: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Malbec, Carmenere, Petit Verdot para tinto; e Semillon, Sauvignon Blanc, Sauvignon Gris, Muscadelle, Colombard, Ugni Blanc, Merlot Blanc e Mauzac para branco.
Autora: Tania Maria Sausen, publicado em 26/Fev/2021
Fontes: Compilação de vários artigos
https://www.blogvinhotinto.com.br/destaquesdoblog/veja-como-o-aquecimento-global-afeta-a-producao-de-vinhos/.
https://revistaadega.uol.com.br/artigo/pesquisadores-buscam-como-manter-identidade-bordeaux-mudanca-climatica_12738.html
https://revistaadega.uol.com.br/artigo/bordeaux-aprova-seis-novas-castas-para-regiao_12800.html
https://gramho.com/media/2496654493747079092
https://gramho.com/explore-hashtag/Liliorila
https://pt.qaz.wiki/wiki/Castets_(grape)
https://www.wine-searcher.com/grape-1757-arinarnoa
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